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segunda-feira, 21 de junho de 2010

IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS

Imposto sobre grandes fortunas


Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Doutor em direito, consultor da União, professor do programa de mestrado em direito da Universidade Católica de Brasília


A Câmara dos Deputados aprovou, em uma de suas comissões, projeto de lei complementar que regulamenta o inciso VII do artigo 153 da Constituição Federal. Caminha-se para a instituição do imposto sobre as grandes fortunas. Embora previsto no texto originalmente promulgado da Constituição de 1988, até hoje não se chegou a um consenso sobre os critérios identificadores de grande fortuna. E a confusão também é linguística; o adjetivo antecede ao substantivo, que não deixa de ser também um qualificativo.

Para a iniciativa de Fernando Henrique Cardoso, enquanto ainda era senador, até agora não se tem a regulamentação, que espera mais de duas décadas. O projeto de Fernando Henrique já foi aprovado no Senado; foi encaminhado à Câmara, encontra-se pronto para discussão em plenário. Apontam-se alguns problemas nesse texto, entre outros, quanto à permissão para dedução do Imposto de Renda dos valores recolhidos a título de imposto sobre as grandes fortunas.

Porém, há outras propostas, a exemplo da iniciativa articulada pela deputada Luciana Genro e pelos deputados Chico Alencar e Ivan Valente, todos do PSOL. A proposta define como grande fortuna a titularidade, a 1º de janeiro de cada ano, de valor superior a R$ 2 milhões, com referência a 1º de janeiro de 2009. Considera-se como fortuna o conjunto de todos os bens e direitos, situados no Brasil ou no exterior, que integrem o patrimônio do contribuinte. Há previsão de isenção, a exemplo da posse ou utilização de bens considerados de alta relevância social, econômica ou ecológica, bem como de objetos de antiguidade, arte ou coleção, em condições e percentagens que serão fixadas em lei. Não se insere também no contexto de grande fortuna instrumentos utilizados pelo contribuinte nas atividades profissionais que exerça, com limite em R$ 300 mil.

As alíquotas variam de 1% (para fortunas estimadas entre R$ 2 milhões e R$ 5 milhões) até 5% (para fortunas avaliadas em mais de R$ 50 milhões). No limite, um detentor de bens que orcem R$ 50 milhões recolheria anualmente o equivalente a R$ 2,5 milhões. O projeto dispõe também que o bem que não constar da declaração do contribuinte será presumido como adquirido com rendimentos sonegados ao Imposto de Renda. Lançam-se os impostos devidos no exercício no qual for apurada a omissão. Há previsão para combate ao uso de interpostas pessoas na identificação do patrimônio, os chamados laranjas, no jargão fiscalista. É que, aprovado o projeto, haverá responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto sobre grandes fortunas, sempre que houver indícios de dissimulação do verdadeiro proprietário dos bens ou direitos que constituam o seu patrimônio.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania opinou, unanimemente, pela constitucionalidade, jurisdicidade e técnica legislativa do projeto. O deputado Régis de Oliveira observou em parecer que o projeto vem em boa hora, e que contribuirá para amenizar as desigualdades sociais existentes em nosso país. Especialmente, referiu-se à má distribuição de renda. Reforçou a plausibilidade da proposta no tocante ao princípio constitucional da capacidade contributiva, instrumento de justiça fiscal. Lembrou, também, que a tributação sobre as grandes fortunas atende à lei de responsabilidade fiscal, que exige a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos de competência prevista na Constituição. Cobrado na Alemanha, na França, na Suíça, embora com outras nuances, entendeu o deputado Régis que não se tem punição em face do rico; possibilita-se que o governo tenha mais recursos para investir em áreas prioritárias.

Aprovado o projeto, prevê-se, não haverá redução da riqueza social. Tem-se um custo privado que visa atender a um custo social. O valor, a utilidade e a eficiência da iniciativa serão avaliados a partir da adequação da alocação dos recursos eventualmente obtidos com a medida. Inegável que, na medida em que as pessoas respondem a incentivos, pode-se prever intenso movimento de planejamento fiscal, na duvidosa fronteira entre o lícito e o ilícito.

O projeto ainda deve ir a plenário. Se aprovado, segue para o Senado, onde o debate deverá ser intenso. A iniciativa é provocante porque aponta para o fim de um impasse: a chamada força normativa da Constituição exige o fiel cumprimento de todas as suas disposições, ainda que qualificadas pelo acesso ao patrimônio de alguns.

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