Imposto sobre grandes fortunas
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Doutor em direito, consultor da União, professor do programa de mestrado em direito da Universidade Católica de Brasília
A Câmara dos Deputados aprovou, em uma de suas comissões, projeto de lei complementar que regulamenta o inciso VII do artigo 153 da Constituição Federal. Caminha-se para a instituição do imposto sobre as grandes fortunas. Embora previsto no texto originalmente promulgado da Constituição de 1988, até hoje não se chegou a um consenso sobre os critérios identificadores de grande fortuna. E a confusão também é linguística; o adjetivo antecede ao substantivo, que não deixa de ser também um qualificativo.
Para a iniciativa de Fernando Henrique Cardoso, enquanto ainda era senador, até agora não se tem a regulamentação, que espera mais de duas décadas. O projeto de Fernando Henrique já foi aprovado no Senado; foi encaminhado à Câmara, encontra-se pronto para discussão em plenário. Apontam-se alguns problemas nesse texto, entre outros, quanto à permissão para dedução do Imposto de Renda dos valores recolhidos a título de imposto sobre as grandes fortunas.
Porém, há outras propostas, a exemplo da iniciativa articulada pela deputada Luciana Genro e pelos deputados Chico Alencar e Ivan Valente, todos do PSOL. A proposta define como grande fortuna a titularidade, a 1º de janeiro de cada ano, de valor superior a R$ 2 milhões, com referência a 1º de janeiro de 2009. Considera-se como fortuna o conjunto de todos os bens e direitos, situados no Brasil ou no exterior, que integrem o patrimônio do contribuinte. Há previsão de isenção, a exemplo da posse ou utilização de bens considerados de alta relevância social, econômica ou ecológica, bem como de objetos de antiguidade, arte ou coleção, em condições e percentagens que serão fixadas em lei. Não se insere também no contexto de grande fortuna instrumentos utilizados pelo contribuinte nas atividades profissionais que exerça, com limite em R$ 300 mil.
As alíquotas variam de 1% (para fortunas estimadas entre R$ 2 milhões e R$ 5 milhões) até 5% (para fortunas avaliadas em mais de R$ 50 milhões). No limite, um detentor de bens que orcem R$ 50 milhões recolheria anualmente o equivalente a R$ 2,5 milhões. O projeto dispõe também que o bem que não constar da declaração do contribuinte será presumido como adquirido com rendimentos sonegados ao Imposto de Renda. Lançam-se os impostos devidos no exercício no qual for apurada a omissão. Há previsão para combate ao uso de interpostas pessoas na identificação do patrimônio, os chamados laranjas, no jargão fiscalista. É que, aprovado o projeto, haverá responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto sobre grandes fortunas, sempre que houver indícios de dissimulação do verdadeiro proprietário dos bens ou direitos que constituam o seu patrimônio.
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania opinou, unanimemente, pela constitucionalidade, jurisdicidade e técnica legislativa do projeto. O deputado Régis de Oliveira observou em parecer que o projeto vem em boa hora, e que contribuirá para amenizar as desigualdades sociais existentes em nosso país. Especialmente, referiu-se à má distribuição de renda. Reforçou a plausibilidade da proposta no tocante ao princípio constitucional da capacidade contributiva, instrumento de justiça fiscal. Lembrou, também, que a tributação sobre as grandes fortunas atende à lei de responsabilidade fiscal, que exige a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos de competência prevista na Constituição. Cobrado na Alemanha, na França, na Suíça, embora com outras nuances, entendeu o deputado Régis que não se tem punição em face do rico; possibilita-se que o governo tenha mais recursos para investir em áreas prioritárias.
Aprovado o projeto, prevê-se, não haverá redução da riqueza social. Tem-se um custo privado que visa atender a um custo social. O valor, a utilidade e a eficiência da iniciativa serão avaliados a partir da adequação da alocação dos recursos eventualmente obtidos com a medida. Inegável que, na medida em que as pessoas respondem a incentivos, pode-se prever intenso movimento de planejamento fiscal, na duvidosa fronteira entre o lícito e o ilícito.
O projeto ainda deve ir a plenário. Se aprovado, segue para o Senado, onde o debate deverá ser intenso. A iniciativa é provocante porque aponta para o fim de um impasse: a chamada força normativa da Constituição exige o fiel cumprimento de todas as suas disposições, ainda que qualificadas pelo acesso ao patrimônio de alguns.
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